Doses homeopáticas de sabedoria – parte 6

6. Repito: as disciplinas são importantes para especializar; os cursos superiores não podem trabalhar transdisciplinarmente porque as disciplinas são imprescindíveis para o aprofundamento necessário. Sobretudo a partir do século dezoito as disciplinas passam a ter importância cada vez maior porque cada ser humano não podia mais dominar o conhecimento que se avolumava rapidamente. O modelo de escola atual, esquematizado naquele século, nasce disciplinar porque – parecia – o conhecimento repartido em fatias poderia ser dominado por todos. O desenvolvimento infindável do conhecimento e as condições humanas após as duas grandes guerras inviabilizaram este modelo: as cabeças mais ilustradas, desde o último quartel do século passado, insistem no holismo, na necessidade de não limitar o ensino a algumas disciplinas e de alargar os horizontes do saber. Até a UNESCO sintetiza uma proposta pedagógica, possível entre outras possíveis: “aprender a aprender, aprender a ser, aprender a fazer e aprender a conviver”. A escola, quando nela trabalham pessoas sensatas, debate-se entre realizar algo deste tipo e passar poucas disciplinas obrigatórias (que, nos discursos, fora do que escrevem, as autoridades educacionais chamam de sugestões).

Texto de Danilo Gandin

Doses homeopáticas de sabedoria – parte 5

5. Vejam como funcionaria a transdisciplinaridade total no ensino básico. (Apontarei, adiante, processos, já possíveis hoje, que não vivenciam a transdisciplinaridade total, mas que caminham para ela). A transdisciplinaridade supõe o cancelamento de qualquer disciplina, embora conteúdos disciplinares possam e devam, algumas vezes, ser trabalhados por pequenos períodos. Na prática, cada turma de alunos, preferentemente agrupados por idade, teria apenas um professor para ajudá-los a estudar questões da natureza e temas ligados à sociedade e à cultura, com a finalidade de que cada um busque sua própria identidade, domine ferramentas para participar na sociedade, assuma um compromisso social, viva algum tipo de transcendência e se abra para crescer indefinidamente. Esta proposta não visa a diminuir o leque de trabalho e de estudos, mas a quebrar limites e a abrir horizontes incomensuráveis. (Esta reflexão está compacta demais: voltarei para uma análise).

Texto de Danilo Gandin

Doses homeopáticas de sabedoria – parte 4

4. Meu propósito é voltar depressa a falar na transdisciplinaridade. Mas preciso, antes, afirmar uns pontos que são fundamentais. Não se trata de fazer da escola um lugar de superficialidade. É preciso que se tenha clareza sobre o que se quer alcançar e, junto com isto, que se saiba caminhar na direção do que se quer. A escola terá que ser espaço onde as pessoas, talvez principalmente os alunos, busquem sua própria identidade e se apropriem de instrumentos para participar na sociedade. Isto significa trabalhar em três frentes: a dos valores, a das habilidades e a dos conhecimentos, estes resumidos em duas dimensões, a de conhecer, cada vez mais, a natureza e a de compreender melhor a sociedade e a cultura. Para isto é necessário um processo de planejamento que seja participativo e que seja ferramenta para propor um rumo, para analisar a prática à luz desse horizonte e para determinar o que se vai ser e o que se vai fazer para caminhar na direção de tal horizonte.

Texto de Danilo Gandin

Doses homeopáticas de sabedoria – parte 3

3. Piso agora em terreno minado. De que valem os exercícios de raiz quadrada ou os estudos sobre logaritmos? Para que serve decorar as capitanias hereditárias ou o nome completo de Tiradentes? Que sabedoria é decorar a análise sintática sem ter o saber que ajude a formular frases com precisão e clareza? De que me adianta conhecer, mais do que um médico, as partes da célula? O que fazer, no dia-a-dia, com a tabela periódica dos elementos ou com a dinâmica dos fluidos? E vejam a beleza de um grupo de alunos, orientados pelo seu professor, trabalhando sobre: – a distribuição de renda dentro do Estado, a variação de preços ou do salário mínimo, a beleza dos números à Malba Tahan – a busca da liberdade por pessoas e grupos, a existência de países no mundo: causas e consequências – a análise de dois jornais, estabelecendo comparações e escrevendo artigos para eles – as diversas funções exercidas por um corpo (sem decorar nada) – a chuva, o vento, as tempestades, o sol, os planetas… (Terei que seguir para sair deste buraco).

Texto de Danilo Gandin

Doses homeopáticas de sabedoria – parte 2

2. Muitos (autoridades e teóricos da educação, coordenadores…) falam de interdisciplinaridade e não enfrentam a questão da transdisciplinaridade. Constroem, assim, um estelionato pedagógico. Na última vez que consegui explicar isso direito, disseram-me os diretores: “Isto não pode ser feito”. Pareciam os fabricantes de carroças querendo evitar que se criasse o automóvel. A interdisciplinaridade, boa para a ação – como a dos médicos – é boa, também, para o ensino superior ou para qualquer ensino profissionalizante, onde a especialização que as disciplinas trazem é benvinda. No ensino básico, ela dará mais força às disciplinas, o que é profundamente nefasto. Por causa de alguns saberes – de resto mal formulados – os alunos perdem toda aquela amplidão de saber que construímos e seguimos construindo. A transdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas e propõe o trabalho com temas, sem o enfoque de nenhuma disciplina, mas com uso do método científico.

Texto de Danilo Gandin

Doses homeopáticas de sabedoria…

Meu pai, Danilo Gandin está escrevendo no Facebook dele alguns trechos de reflexão que são fundamentais para repensar a escola e a educação. Vou reproduzi-los aqui no meu blog com o título carinhoso de “doses homeopáticas de sabedoria”. Acompanhe por aqui ou diretamente no Facebook dele. Boa leitura e reflexão.

1. Entre as muitas questões que a escola básica sugere, a mais importante é a do currículo. Qualquer mudança nele vai influenciar outras mudanças necessárias; sem transformações curriculares, as outras serão inteiramente inócuas. É urgente uma transformação curricular na direção da transdisciplinaridade. Causa preocupação e constrangimento ver, por exemplo, que o Conselho Nacional de Educação escreva que o ensino médio terá quatro grandes áreas e, depois, diga as disciplinas de cada área, voltando exatamente ao que hoje se faz. Penso que, apesar de os professores poderem, sozinhos, introduzir mudanças transdisciplinares, as autoridade têm mais do que a metade das responsabilidades pelo nossa tristeza escolar.

Texto de Danilo Gandin